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A aplicação inconstitucional pelo Tribunal de Contas da União de nova interpretação da súmula Nº 96 a casos de aposentadorias concedidas anteriormente

O Tribunal de Contas da União é um órgão auxiliar do Poder Legislativo no exercício do controle externo. Dentre as várias funções constitucionais que possui, destaca-se a incumbência de apreciar, para fins de registro, a legalidade das concessões de aposentadoria na Administração Direta e Indireta, de acordo com o art. 71, III, da Constituição Federal:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

[…].

III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;

[…]

Como qualquer outra atribuição constitucionalmente outorgada, a análise da regularidade dos atos de concessão de aposentadoria na Administração direta e indireta encontra limites em alguns princípios constitucionais, como no da legalidade e no da segurança jurídica. Ou seja, embora se trate de uma função institucional do Tribunal de Contas da União, não se pode olvidar que encontra limites em lei e na própria Constituição.

Na função administrativa que lhe é atribuída, o TCU firmou entendimentos que foram consolidados no próprio tribunal, por meio de edição de súmulas. Dentre eles, há o disposto na súmula nº 96, que versa sobre os requisitos para o reconhecimento, para fins de aposentadoria, do período de trabalho prestado como aluno-aprendiz por servidores públicos federais:

Conta-se para todos os efeitos, como tempo de serviço público, o período de trabalho prestado, na qualidade de aluno-aprendiz, em Escola Pública Profissional, desde que comprovada a retribuição pecuniária à conta do Orçamento, admitindo-se, como tal, o recebimento de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros.

No entanto, em 2005, no Acórdão nº 2.024/2005, o tribunal alterou a interpretação até então adotada, passando a exigir novos requisitos descritos no item 9.3 do referido ato:

9.3.1. a emissão de certidão de tempo de serviço de aluno-aprendiz deve estar baseada em documentos que comprovem o labor do então estudante na execução de encomendas recebidas pela escola e deve expressamente mencionar o período trabalhado, bem assim a remuneração percebida

9.3.2. a simples percepção de auxílio financeiro ou em bens não é condição suficiente para caracterizar a condição de aluno-aprendiz, uma vez que pode resultar da concessão de bolsas de estudo ou de subsídios diversos concedidos aos alunos.

9.3.3. as certidões emitidas devem considerar apenas os períodos nos quais os alunos efetivamente laboraram, ou seja, indevido o cômputo do período de férias escolares;

9.3.4. não se admite a existência de aluno-aprendiz para as séries iniciais anteriormente à edição da Lei n. 3.552[/59], a teor do art. 4º do Decreto-Lei n. 8.590[/46] – grifos nossos

Com o novo entendimento, o TCU iniciou uma série de desaprovações a atos de registro de concessão de aposentadoria, que passaram a ser considerados irregulares. Na maioria dos casos, entendeu o Tribunal que não havia prova suficiente da remuneração percebida durante o período de trabalho como aluno-aprendiz, resultando, assim, na não homologação do ato e na determinação para que o servidor retornasse à atividade.

Assim, passou a atuar contrariamente ao entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal, que veda a aplicação retroativa de nova interpretação sumular, violando os princípios da Segurança Jurídica e da Força Normativa da Constituição.

Nesse cenário, muitos servidores atingidos pelo atual entendimento do TCU, alguns deles há mais de 15 anos na inatividade, impetraram mandado de segurança perante o Supremo Tribunal Federal, afirmando a violação ao Princípio da Segurança Jurídica, uma vez que uma nova interpretação jurisprudencial estaria sendo aplicada de forma retroativa pelo tribunal, prejudicando as situações já consolidadas.

No embate jurídico criado, o TCU tem apresentado ao Supremo Tribunal Federal determinados argumentos para justificar as suas decisões. 

Nos autos do mandado de segurança 31.477/DF está elencada, praticamente, toda a base técnico-jurídica aduzida pela Corte de Contas em seu posicionamento:

EMENTA: Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por Edson José Guimarães, objetivando a anulação do Acórdão 3.146/2009-TCU-2ª Câmara, confirmado em sede de recurso pelos Acórdãos 5.159/2011 e 923/2012, do mesmo colegiado, por meio do qual o TCU julgou ilegal sua aposentadoria em razão do cômputo de tempo de aluno-aprendiz sem que houvesse comprovação de labor no período de estudo. 

1. Não-incidência da decadência administrativa em face da inaplicabilidade do art. 54 da Lei n. 9.784/99 aos processos por meio dos quais o TCU exerce sua competência constitucional de controle externo, consoante asseverado, por unanimidade, pelo Plenário do STF no MS 24.859-DF

2. Conforme jurisprudência do STF, o ato de aposentadoria configura ato administrativo complexo, razão pela qual, ainda que fosse aplicável o referido prazo decadencial, este somente teria início com a vontade final da Administração, consubstanciada no registro do ato pelo TCU, o que, no caso, não ocorreu

3. Não há que se falar em direito adquirido ou em ato jurídico perfeito antes que o ato complexo de aposentadoria esteja definitivamente registrado pelo TCU, consoante consolidada jurisprudência do STF

4. O princípio da segurança jurídica não tem prevalência sobre o princípio da legalidade quando se trata de reconhecer direitos contra a lei em prejuízo do erário, como é o caso. A supremacia do interesse público sobre o privado impõe que se privilegie o princípio da legalidade, de modo a afastar o pagamento de ilegais vantagens à custa dos cofres públicos

5. ‘É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de ser ilegal a contagem do tempo de aluno-aprendiz para efeito de aposentadoria, quando não resultar comprovado que o interessado laborou no período de estudo. Para ser válida a contagem, a instituição de ensino deve emitir certidão de tempo de aluno-aprendiz e comprovar o efetivo labor do estudante na execução de encomendas recebidas pela escola, além de mencionar o período trabalhado e a remuneração percebida.’ (ementa do Acórdão 3.146/2009-TCU-2ª Câmara, ora impugnado). No caso, não restaram comprovados o labor do ora impetrante na execução de encomendas recebidas pela escola, o período trabalhado e a remuneração percebida, conforme consignado no Relatório que fundamenta a referida deliberação.

[…]. – grifos nossos.

Denota-se do mencionado julgado que o TCU se respalda em dois pontos fundamentais: a) impossibilidade da decadência administrativa prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/99 na apreciação da legalidade de aposentadorias pelo tribunal, na medida em que consiste em ato complexo, sendo imprescindível o respectivo registro para seu aperfeiçoamento e, desse modo, para abordar os institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito; b) prevalência do princípio da Legalidade sobre o da Segurança Jurídica em casos de contrariedade a lei com prejuízo ao erário.

Além disso, tem afirmado o TCU que o novo entendimento aplicado à súmula nº 96 não seria capaz de gerar qualquer prejuízo, porquanto o Acórdão 2.024/2005 teria apenas regulamentado os requisitos já previstos na referida súmula. Nesse sentido atesta o relatório do Min. Gilmar Mendes no MS 28.965/DF:

No agravo regimental, a União afirma que não questiona a possibilidade do cômputo do período laborado como aluno-aprendiz, mas a ausência de comprovação, pelo impetrante, do preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento do direito. 

Salienta que “a nova interpretação da Súmula TCU 96, firmada no Acórdão 20.24/2005, não trouxe prejuízo ao impetrante, tampouco estabeleceu novos critérios, tendo apenas esclarecido a forma da comprovação da condição de aluno-aprendiz”. (fl. 246) 

Argumenta que a certidão fornecida pela instituição escolar não cumpriu os requisitos exigidos pelo Acórdão TCU nº 2.024/2005-Plenário, que trata do cômputo do período laborado como aluno-aprendiz. É o relatório. – grifos nossos  

Contudo, todos esses argumentos não têm encontrado guarida no STF, que já consolidou entendimento de que a aplicação da nova interpretação viola o princípio da Segurança Jurídica, como ilustram os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO COMO ALUNO-APRENDIZ EM ESCOLA TÉCNICA. CÔMPUTO PARA APOSENTADORIA. LEGALIDADE. MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO DA CORTE DE CONTAS QUANTO AOS REQUISITOS EXIGIDOS, APÓS A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 

I – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se, em casos idênticos ao que ora se analisa, pela legalidade do cômputo do tempo prestado como aluno-aprendiz para fins de aposentadoria. 

II – A nova interpretação da Súmula 96 do TCU, firmada no Acórdão 2.024/2005, não pode ser aplicada à aposentadoria concedida anteriormente. 

III – Agravo regimental improvido.

AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CÔMPUTO DO TEMPO LABORADO NA CONDIÇÃO DE ALUNO-APRENDIZ. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO DOS REQUISITOS DO ACÓRDÃO Nº 2.024/2005. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 

1. Mudança de interpretação da Súmula TCU nº 96 pela Corte de Contas da União, por meio do Acórdão nº 2.024/2005. 2. Legalidade do cômputo do tempo prestado como aluno-aprendiz nos casos de aposentadoria já concedida sob a égide de entendimento anteriormente consolidado no TCU. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido.

AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CÔMPUTO DO TEMPO LABORADO NA CONDIÇÃO DE ALUNO-APRENDIZ. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO DOS REQUISITOS DO ACÓRDÃO Nº 2.024/2005. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 

1. Mostra-se pacífico, no Supremo Tribunal Federal, o entendimento firmado pelo Plenário no sentido da legalidade do cômputo do tempo prestado como aluno-aprendiz nos casos de aposentadoria já concedida sob a égide de entendimento anteriormente consolidado, em virtude da necessária segurança jurídica das relações sociais consolidadas pelo tempo. Precedentes. 2. No presente caso, o impetrante teve sua aposentadoria concedida em 8/5/98, quando ainda estava em plena vigência a Súmula nº 96 do Tribunal de Contas da União, e, portanto, preenchia os requisitos para que tivesse direito ao cômputo do tempo de serviço laborado como aluno-aprendiz. 3. Após o Acórdão nº 2.024/2005, o TCU mudou a interpretação da Súmula nº 96, devendo ser aplicado o princípio da segurança jurídica, de acordo com a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo regimental não provido.

No mesmo sentido têm sido as manifestações da Procuradoria-Geral da República:

A douta Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela concessão da segurança, parecer assim ementado: 

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA CORTE DE CONTAS QUANTO AOS REQUISITOS EXIGIDOS PARA CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO CUMPRIDO NA CONDIÇÃO DE ALUNO-APRENDIZ. INCIDÊNCIA SOBRE AS APOSENTADORIAS JÁ CONCEDIDAS SOB A ÉGIDE DE ENTENDIMENTO ANTERIORMENTE CONSOLIDADO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF. 

1. O Plenário do STF no julgamento do MS 27.185/DF, manifestou-se no sentido de que a mudança de orientação jurisprudencial da Corte de Contas quanto aos requisitos exigidos para cômputo do tempo de serviço na condição de aluno-aprendiz não pode incidir sobre a aposentadoria já concedida sob a égide de entendimento anteriormente consolidado, no caso, a Súmula nº 96/TCU

2. Parecer pela concessão da segurança e pela prejudicialidade do agravo regimental. (fl. 137). – grifos nossos

De acordo com a jurisprudência colacionada, o Supremo Tribunal Federal discorda das razões expostas pelo TCU e se posiciona pela prevalência da segurança jurídica nos casos apreciados.

Na função de aferir a constitucionalidade dos acórdãos emitidos pelo Tribunal de Contas da União, a Suprema Corte adentrou nas bases do princípio da Segurança Jurídica. Além disso, o entendimento do STF guarda íntima relação com o princípio da Boa-Fé Objetiva e com o princípio de hermenêutica constitucional da Força Normativa da Constituição.

A vinculação do TCU à decisão do Supremo Tribunal Federal em matéria de Hermenêutica Constitucional – materialização da Força Normativa da Constituição. 

Com base nas considerações já expostas, a Constituição Federal estabelece em seu art. 102 que “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição […]”. Este dispositivo constitucional outorga à Suprema Corte a incumbência de zelar, de guardar e de decidir pelas normas esculpidas no texto da Carta Magna. Isso implica dizer que, no tocante à matéria de hermenêutica constitucional, a palavra decisiva caberá ao Supremo Tribunal Federal.

Portanto, no momento da consolidação jurisprudencial no STF acerca da inconstitucionalidade da aplicação retroativa do novo entendimento da súmula nº 96 pelo Tribunal de Contas da União, estaria imposto o sentido prevalente ao Princípio da Segurança Jurídica a ser aplicado às situações referentes à súmula nº 96/TCU.

Logo, a contrariedade à sólida posição da Suprema Corte quanto ao significado do referido princípio constitucional configuraria violação ao princípio da Força Normativa da Constituição, na medida em que enfraqueceria a efetividade do sentido estabelecido à Segurança Jurídica. 

Haveria, neste ponto, uma interação do princípio da Força Normativa da Constituição com o princípio da Máxima Efetividade. E a doutrina do renomado professor José Joaquim Gomes Canotilho, mencionada em obra de Gilmar Mendes, é pontual sobre o assunto:

Canotilho ajunta ao catálogo de pautas de interpretação o que chama de princípio da máxima efetividade. Atribui-lhe a seguinte formulação: ‘a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê’. Adverte que, embora se trate de um princípio aplicável a toda norma constitucional, tem espaço de maior realce no campo das normas constitucionais programáticas e no domínio dos direitos fundamentais. A eficácia da norma deve ser compreendida como a sua aptidão para produzir os efeitos que lhes são próprios. Esse princípio, na realidade, vem sancionado, entre nós, no § 1º do art. 5º da Constituição, que proclama a aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. O reconhecimento de que também as normas programáticas podem levar à inconstitucionalidade de leis que lhes sejam opostas é, igualmente, expressão desse princípio.

De alguma forma contido no princípio da máxima efetividade, fala-se no princípio da força normativa da Constituição. Com este, propõe-se seja conferida prevalência aos pontos de vista que tornem a norma constitucional mais afeita aos condicionamentos históricos do momento, garantindo-lhe interesse atual, e, com isso, obtendo-se ‘máxima eficácia, sob as circunstâncias de cada caso’. Esse esforço poderá ser de mais pertinência nos casos de normas que se valem de conceitos indeterminados, de textura literal mais flexível. Vale a advertência de Jorge Miranda, contudo, no sentido de que não é dado nem ao legislador nem ao intérprete ‘transfigurar o conceito, de modo a que cubra dimensões essenciais e qualitativamente distintas daquelas que caracterizam a sua intenção jurídico-normativa’. MENDES; BRANCO, 2014, p. 72). – grifos nossos

Nesse raciocínio, Uadi Lamego Bulos leciona a respeito da relevância da Força Normativa da Constituição na exegese constitucional, bem como registra simbólico precedente do STF, no qual se revela a vinculação dos demais tribunais ao sentido fixado à norma constitucional pela Suprema Corte:

Por seu intermédio, é dado ao intérprete atualizar os preceitos constitucionais, tornando-os efetivos e estáveis; afinal, eles possuem força normativa, devendo ser cumpridos e aplicados.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a importância da força normativa da constituição, considerando-a fator de observância na exegese da Carta de 1988.

Precedente: “Cabe destacar, neste ponto, tendo presente o contexto em questão, que assume papel de fundamental importância a interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função institucional, de ‘guarda da Constituição’ (CF, art. 102, caput), confere-lhe o monopólio da última palavra em tema de exegese das normas positivadas no texto da Lei Fundamental, como tem sido assinalado, com particular ênfase, pela jurisprudência desta Corte Suprema: ‘A INTERPRETAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL PELO STF DEVE SER ACOMPANHADA PELOS DEMAIS TRIBUNAIS. A NÃO OBSERVÂNCIA DA DECISÃO DESTA CORTE DEBILITA A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO’ (RE 203.498-AgR/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes)” (STF, Recl. 2.986-MC/SE, Rel. Min. Celso de Mello, decisão de 11-3-2005). (BULOS, 2014, p. 411) – grifos nossos

Portanto, incumbe ao Supremo Tribunal Federal esclarecer o significado de qualquer norma constitucional, na condição de guardião da Lei Fundamental.

Ressalte-se que, a princípio, a vinculação atinge a Administração Pública, salvo o Poder Legislativo. Essa ressalva se dá porque o poder de criar leis não pode estar limitado a decisões judiciais. Assim, apenas os órgãos incumbidos da edição de leis não seriam atingidos pelo efeito vinculante da jurisprudência em hermenêutica constitucional (assim como ocorre com as súmulas vinculantes). 

Dessa forma, o TCU, apesar de estar inserido no Capítulo I – Do Poder Legislativo – da Constituição Federal, está sujeito à mencionada vinculação, já que sua função é administrativa, o que envolve a prática de atos administrativos, e não normativos.

Conclusão

A discussão travada revela a extrema importância da reflexão sobre Hermenêutica Constitucional. 

Uma possível solução para o tema em questão seria a edição de uma súmula vinculante, pelo Supremo Tribunal Federal, que atestasse o sentido da Segurança Jurídica nos casos abarcados pela mencionada súmula nº 96/TCU, o que inibiria ou impossibilitaria a insistência do Tribunal de Contas da União de divergir sobre a matéria.

Entretanto, mesmo na ausência de súmula vinculante a respeito, a Força Normativa da Constituição é princípio de hermenêutica constitucional que exige a observância pelos demais tribunais ao direcionamento conferido pelo STF a qualquer norma do texto da Constituição, o que bastaria para frear o grande problema gerado pelos acórdãos denegatórios de registro de aposentadoria pelo TCU.

Assim, a partir do raciocínio elaborado, é possível afirmar a inconstitucionalidade dos acórdãos do TCU que se contrapõem à jurisprudência sólida e notória do Supremo Tribunal Federal em relação ao significado conferido ao princípio da Segurança Jurídica nos casos envolvendo a aplicação retroativa do novo entendimento sobre a súmula nº 96 do Tribunal de Contas da União.    

Por fim, parece que a compreensão da importância de se pugnar pela Força Normativa da Constituição ainda precisa ser bastante desenvolvida no Estado Brasileiro, até que se alcance um ambiente de maturidade jurídica em que as instituições não precisem ser obrigadas a observá-la e cumpri-la.

REFERÊNCIAS

BULOS, Uadi Lamego. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

DOBROWOLSKI, Silvio. Caderno de Direito Constitucional 2006 – Hermenêutica Constitucional. Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso do Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Método, 2013.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

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